Sperotto: invocado, convicto e valente

Por Alex Soares
Se Carlos Sperotto tivesse sido um líder rural nordestino, cedo seria chamado por liderados e admiradores de Cabra da Peste. Como nasceu e se criou longe de lá, na histórica Palmeira das Missões, que ainda incorporava Santo Augusto como distrito, foi um Invocado, um Enfezado por natureza. Azar dos baianos, dos paraibanos, dos cearenses que ele foi gaúcho. E com G assim.
Carlos Rivaci Sperotto comprou brigas históricas e foi mais do que a voz do Rio Grande rural por duas décadas. O presidente da Farsul foi, na virada deste século, o homem que representou os cidadãos de bem deste estado - do campo e urbanos - que aprenderam a viver trabalhando e respeitando o que é seu e, principalmente, o que é alheio. Naquele ainda inocente Rio Grande de 1999, sua voz foi o contraponto mais respeitado ao aloprado grupo político que se instalava no poder público estadual.
Era época de estímulo oficial a tudo que os gaúchos desprezavam até então, como invasões de terras produtivas e de prédios públicos, de queima de biografias, de desrespeito descarado aquilo que social e constistucionalmente era sagrado. Com a fragilização (e omissão) das lideranças políticas que o PT exorcizava da cena, coube ao presidente da instituição que melhor representava aquilo que o PT odiava se insurgir. E o fez com galhardia.
Na Tribuna de Honra lotada das Expointer desta época, o discurso mais aguardado era o dele. Num tom de voz que ecoava como um trovão pelo parque Assis Brasil, Carlos Sperotto ia questionando e rasgando um a um os dissimulados discursos populescos da época. Havia categoria na sua fala, mas sobretudo, firmeza. Os fãs de Guevara o odiavam.
E polêmicas não faltaram naqueles anos e nos seguintes. E as posições fortes da defesa das suas convicções lhe garantiram desde então influência nos governos aliados. Secretários da Agricultura do Estado só eram nomeados com o seu aval. Planos de política pública do setor passaram a ser discutidos na Farsul antes de serem anunciados. Deputados federais e ministros se aconselhava no seu gabinete. E contrariando a ordem natural, o respeito adquirido lhe conferiu poder.
Com a liderança solidificada, através também da execução de um bem amarrado plano de estruturação e de profissionalização da federação, vieram os sucessivos mandatos. Mas a longeva permanência na presidência da federação trouxe também o desgaste e consequentes insurreições. Nenhum candidato ou grupo adversário, porém, conseguiu fazer uma frente forte ao ponto de ameaçar sua permanência. Bem articulado com as lideranças do interior e cabeças dos sindicatos rurais, empilhou vitórias. Sete entre eleição e reeleições. E nas relações Sperotto deixou uma outra inequívoca marca: a da lealdade. Prezava demais isso nos parceiros e correspondia à altura. Alguns dos amigos de diretoria estiveram com ele do começo ao fim.
A experiência conquistada lhe conferia uma ascensão natural ao comando da Confederação Nacional da Agricultura. Por circunstâncias sempre adversas – fossem de política interna ou externa – a eleição com seu nome na cabeça nunca aconteceu. Perdeu a CNA, que hoje, quem sabe estaria em outro patamar de respeitabilidade.
Um legado respeitável
Das tantas entrevistas feitas nestes vintes anos, a última resposta de Sperotto dada a este repórter foi no almoço de encerramento da Expointer deste ano, no terceiro dia de setembro (foto). A pergunta na verdade havia sido direcionada a outro diretor, já que a ideia era poupar um Sperotto debilitado pela doença. Não traindo, no entanto, à sua peculiaridade de não hesitar, pegou o microfone e chamou a responsabilidade: “Iremos ter alguns percalços, mas vamos nos ajustar”. E completou: “ E de mais a mais ninguém aqui está desesperado”.
Um líder que nunca abandonou batalhas ou deixou parceiros para trás. Foi invocado por ser convicto no que acreditava. Se hoje o homem do campo é um pouco mais respeitado, com mais direitos e benefícios que tinha vinte anos atrás, isso têm muito das intransigências de Carlos Rivaci Sperotto.